Aprender com as galinhas ou a teoria de Darwin e o SIADAP
David Sloan Wilson considera que a teoria de Darwin não só é válida no campo da biologia, como tem aplicação a imensos domínios da ciência e da vida – ética, política e religião incluídas. Mais: defende que não é necessária formação na área de biologia para a entender e que, uma vez assimilada, aclara o raciocínio e potencia a capacidade analítica.
A teoria evolutiva pode, por exemplo, ser aplicada aos aviários. Wilson recorre a uma experiência de William Muir que ilustra duas vias na criação selectiva de galinhas para aumentar a produção de ovos:
1) Identificar a galinha mais produtiva em cada gaiola (cada gaiola contém nove galinhas) e usar essas galinhas “de topo” para reprodução.
2) Identificar quais as gaiolas mais produtivas e usar todas as galinhas dessa gaiola para reprodução.
O senso comum dirá que o primeiro método é o que permite optimizar a produtividade – porém, aplicando-o durante seis gerações, Muir obteve uma gaiola com três galinhas carecas, que tinham matado as colegas de gaiola e passavam mais tempo a arrancar penas umas às outras do que a pôr ovos. Percebeu que a boa performance das “galinhas-alfa” era conseguida pela opressão das colegas de gaiola e quando se colocavam essas “campeãs” na mesma gaiola o resultado era o conflito permanente.
As gaiolas obtidas pelo segundo método de selecção apresentavam, em contrapartida, nove galinhas saudáveis e pacatas, cada uma delas com capacidade poedeira boa mas não “de topo” – mas que, multiplicada por nove, batia todas as outras gaiolas. O segundo método seleccionara conjuntos de galinhas com propensão para a coexistência harmoniosa, factor nada despiciendo no espaço sobrelotado do aviário.
Dando seguimento aos conceitos de Wilson e livre curso à extrapolação, torna-se evidente que a experiência com as galinhas tem trágicas afinidades com o Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da Administração Pública (SIADAP). Os indivíduos são valorizados pela performance individual e é irrelevante que sejam execráveis como pessoas, criem um ambiente insuportável, se aproveitem do esforço dos colegas para construir currículo e em vez de trabalhar passem a vidinha em “acções de formação”. Note-se que o SIADAP, ao impor quotas às boas classificações que um chefe pode atribuir aos subordinados, torna semelhantes todas as “gaiolas”. O Estado não quer saber de gaiolas produtivas, quer é identificar e promover as galinhas-alfa de cada uma – ou seja, opta pelo primeiro método de selecção. E assim, em vez de “premiar o mérito” e tornar a Administração Pública mais eficaz, acabará com três galinhas carecas à bulha, rodeadas de galinhas exangues e pilhas de processos por despachar.
Análise de José Carlos Fernandes ao livro de David Sloan Wilson
“A Evolução para Todos” publicado na TimeOut.
Etiquetas: Cómico, Nacional, Política
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