A Tacada do dia...

domingo, setembro 02, 2012

o futebol, os mercados e o fim da paixão

Há uns poucos anos algumas pessoas eram da opinião que a entrada no mundo do futebol de toneladas de rublos pós-Perestroika ou de camiões de petrodólares não teriam a influência suficiente para os clubes financiados alcançarem grandes resultados desportivos. Diziam-me que os grandes nomes do futebol - jogadores e treinadores - nunca trocariam um clube de renome e historial  por clubes, até então, menores no panorama internacional e até nas suas próprias ligas. Chelsea, Manchester City e Paris St Germain são alguns dos principais exemplos que vieram provar o contrário. Os jogadores (e também os treinadores e até dirigentes) já não querem saber de camisolas, a não ser que estas venham impressas da Fed ou do BCE e sejam verdes com a cara do Benjamin ou roxas com uma fronte dum edifício a representar a Arquitectura Moderna do século XX. Os próprio clubes pouco podem fazer relativamente a isto já que grande parte é hoje propriedade, ou pelo menos refém, dos Bancos, Fundos de investimentos e outros accionistas. Os clubes ainda têm sócios e ainda têm adeptos mas isso pouca importância tem já que os interesses destes e os dos que efectivamente mandam nos clubes não são, pelo menos a maior parte das vezes, coincidentes. As dívidas estratosféricas que os clubes acumularam também obrigam ao pragmatismo financeiro que vamos vendo nos últimos anos. É a Economia, estúpido,dir-me-ão vocês. Assim, o fecho das inscrições nas Ligas Profissionais de Futebol, ou fecho dos mercados como lhe chamam, apesar de não ser o mais correcto, é hoje o balão de oxigénio que muitos clubes precisam para disfarçar durante mais uns tempos os problemas estruturais que os afectam. É também a possibilidade de os jogadores trocarem a equipa a quem faziam eternas juras de amor pela amante rica que os seduz.

Parece-me que a transferência de Javi Garcia, do Benfica para o Manchester City, por cerca de 20 milhões de euros, é o resumo de tudo o que foi dito atrás. Para o Benfica, e aqui refiro-me ao clube, à sua história, aos seus adeptos e às suas ambições, foi um mau negócio desportivo para um bom negócio financeiro. E digo um bom negócio financeiro porque dentro da necessidade premente de liquidez e da tentativa de aliviar a carga mensal em ordenados, que consequentemente diminui a capacidade negocial do clube, não lhe posso chamar outra coisa. Relativamente ao jogador espanhol, o próprio amor deste ao clube é facilmente olvidado numa mudança de 3 para 5 milhões de euros por época. Nada me move contra Javi que era, a par de Aimar, o meu jogador favorito no Benfica mas chateiam-me os votos e juras de felicidade eterna que a maior parte dos jogadores faz ao chegar aos clubes.

O título deste texto refere o fim da paixão. Não me refiro obviamente à dos adeptos que, nestas alturas, pouco mais podem fazer que assistir com alguma curiosidade às movimentações como se de uma novela se tratasse. A paixão dos adeptos estará sempre lá, como o têm provado os de equipas que, por razões desportivas ou legais, descem de divisão ou até desaparecem. A paixão acaba muitas vezes por ser levada ao extremo, por tudo o que está para lá das 4 linhas, acirrada a maior parte das vezes por dirigentes inconscientes e negócios duvidosos. Mas é assim o mundo do futebol. Pouco se pode esperar dum mundo que gera homens, ainda com o cheiro à adolescência, que chegam, em despique, aos treinos e estágios em carros que custam mais que a maior parte da população mundial ganhará em toda a sua vida. Mas isso daria outro texto.


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